Natural speed please.
Minha ração diária de informações está cada vez menor. Interesso-me mais em qualificar os relacionamentos. E isso exige tempo, muito tempo e dedicação. Sei que vivemos um momento político e econômico especialmente difícil. Quem vai semanalmente ao supermercado sabe que a inflação anual de dois dígitos é cada vez mais tangível. Escândalos ocupam as páginas dos principais jornais e revistas do país. Amigos que participam das redes sociais me contam do furor pró e contra governo que tomou conta desses nossos dias. Mais contra, diga-se. O protesto é uma arma contundente e precisamos usá-la com inteligência e equilíbrio, evitando que tudo se reduza às agressões pessoais. Não estou alheio a isso, só não quero ser desviado do meu principal propósito: tornar-me um ser humano melhor, avaliando constantemente o que se passa dentro de mim, polindo as arestas que não me permitem ver com clareza o que precisa ser depurado. E, acima de tudo, evitando confrontos que me desviem desse itinerário que estou seguindo de mãos dadas com meus grandes amigos: os filósofos e os poetas. Eles são a carne e o sangue que nutrem e expandem a minha jornada espiritual.
Seguir por outra senda, a dos raivosos, dos que dramatizam tudo, é ceder à tentação fácil dos descontentes. Poucos de nós terão o privilégio de atravessar a existência imunes a dores e perdas. Nosso grande mérito, a tarefa para a qual devemos nos sentir destinados, é a de não permitir que nada disso destrua o nosso projeto de felicidade. Procuro âncoras a toda hora. Um romance que expanda os limites da realidade e me faça amar cada vez mais a imaginação. Ficar colado permanentemente aos atos ordinários da vida é insuficiente para perceber os milagres que nos são entregues cotidianamente. Devemos reaprender a olhar, mesmo em meio ao rebuliço e às ruas repletas de gente. Há sempre uma pulsação, um gesto de beleza que encontro na criança carregada amorosamente pelo pai, no velho que demora para chegar à outra calçada, nos namorados que se beijam indiferentes aos que passam. Acho tudo isso tão bonito. E procuro ficar atento para que o desejo de sorver esses movimentos persista em mim como a fome que se renova dia após dia. Por isso me incomoda tanto ver gente esbravejando por insignificâncias. Saltam-lhe as veias do pescoço e, com a voz alterada, saem ladrando em busca de inimigos que eles mesmos inventam. Quando encontro gente assim, minha vontade é dar-lhes de presente o livro “Sobre a brevidade da vida”, de Sêneca. Ela nunca é breve, tem sempre a medida exata, ele nos ensina. Nós é que a gastamos imprudentemente. A quem iremos reclamar, se o erro é nosso?
Somos todos atores mergulhados numa história cujo fim desconhecemos. Melhor é tentar transformar as mazelas numa boa comédia, aprendendo a manter certo distanciamento do problema, explorando outras perspectivas. Muito do que vemos por aí é o resultado de uma época que preconiza o espetáculo, criando necessidades falsas numa velocidade assustadora. Eu mesmo continuo sofrendo bullying por não ter aderido à confraria dos que têm IPhone. Meu celular serve perfeitamente para o que preciso. Se deixo de trocá-lo não é só como um ato de protesto contra o consumismo desenfreado: simplesmente não preciso de um aparelho novo. Há tantas coisas mais importantes em que quero me focar. Por exemplo, estudar mais e mais os grandes mestres – os verdadeiros faróis que apontam para um norte por onde eu possa seguir.
As revoluções que me interessam são silenciosas, individuais. Tento não alterar a voz para defender uma ideia que me é cara. Estou treinando, nem sempre com o sucesso esperado. Os que encontram motivo para sofrer por tudo e por todos, sem agir, apenas gritando aos quatro ventos o seu descontentamento, não costumam obter êxito. Não quero estar na lista dos que podem sofrer um infarto por viverem sob tensão permanente. Tudo é importante e nada é. Cemitérios são adubados permanentemente com a ossada de homens e mulheres que se acreditavam imprescindíveis. Devemos nos destinar mais a tarefas de ordem afetiva do que àquelas que redesenham a paisagem física do mundo. Gosto do que permanece, do que não tem pressa. Sei que, pensando assim, caminho em sentido contrário ao deus da nossa época: o progresso. Que cansaço! Delego aos outros a tarefa de deixar tudo polido e reluzente. Quero deitar confortavelmente numa rede, testemunhando a brisa, a chuva e o sol. Os que gostam de vociferar? Que o façam, mas bem longe. Perdoem-me aqueles que me acharem inflexível. Tento apenas me defender de uma ordem que nos expulsa do cerne, do que é essencial. Não quero esse exílio. A aceitação sempre me pareceu caminhar junto com a fé. As coisas vão acontecendo, ora para o bem, ora para o mal (ou para nos fazer repensar). Nada adianta sair por aí arrancando os próprios cabelos. Ninguém ouve quem grita.
Os ventos carregam mais facilmente as vozes aplainadas pela suavidade.
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